Pai de gêmeas consegue licença-paternidade de 180 dias*
Um pai de gêmeas teve o direito reconhecido pela Justiça de tirar 180 dias de licença-paternidade. Como é servidor federal, a legislação concede 20 dias de folga para cuidar dos recém-nascidos. Para empregados da iniciativa privada, a licença é de, em regra, cinco dias, podendo chegar aos mesmos 20 dias dos funcionários públicos da União.
Com base nos princípios da proteção à criança, à família, e do melhor interesse do menor, o Juizado Especial Federal de Santa Catarina estendeu ao pai o prazo da licença-maternidade concedida à mãe. Ou seja, garantiu a ambos o direito de ficarem em casa cuidando das filhos nos primeiros meses de vida delas.
A decisão foi tomada na manhã desta quinta-feira (27/4) e confirmou sentença proferida em novembro pela 1ª Vara Federal de Florianópolis. O juizado analisou recurso da União contra a decisão de primeiro grau. Leia o acórdão abaixo.
É a primeira vez que o Judiciário decide dessa forma em casos de nascimento de múltiplos. A decisão do juizado ainda não foi publicada.
De acordo com o juiz federal João Batista Lazzari, que relatou o caso na 3ª Turma de Recursos da Seção Judiciária de Santa Catarina, a decisão leva em conta a necessidade de a mãe e o pai estarem presentes para darem o suporte necessário nos primeiros meses da vida dos gêmeos.
“Também não havia previsão legal para salário maternidade em caso de adoção ou óbito da mãe, mas a partir das manifestaçōes do Judiciário – criando ou estendendo direitos – isso foi inserido no texto legal”, afirmou o juiz ao JOTA, ao defender a decisão proferida no Processo 5009679-59.2016.4.04.7200.
A previsão dos direitos mencionados por Lazzari vieram em 2013 com a edição da Lei 12.873 que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) nos artigos 392-B e 392-C.
A defesa do servidor sustentava que o a licença-gestação é um direito de dupla sujeição ativa, ou seja, um direito dos pais e das crianças. “As decisōes reconhecem essa importante característica”, disse o advogado Gustavo Costa Ferreira.
De acordo com ele, o pai das gêmeas – técnico judiciário do do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC) – tirou os 180 dias de licença, que acabaram no início de abril. As gêmeas são univitelinas.
A União informou que tem conhecimento da decisão, mas o prazo para recurso ainda não se iniciou. Afirmou ainda que o caso está sob análise, mas a princípio haverá recurso.
Sentença
Ao garantir o direito de uma licença-paternidade maior em casos de partos múltiplos, a juíza federal Simone Barbisan Fortes fez uma análise extensa da legislação, da jurisprudência, de como as licenças-gestação ocorrem em outros países e trouxe ainda aspectos sobre o nascimento de múltiplos, responsável por um alto índice de partos prematuros.
“Parece evidente que o nascimento de gêmeos requer, tão só para os cuidados básicos, a presença de mais de uma pessoa, sendo quase certa a insuficiência apenas da mãe, ainda que sobre ela recaiam os períodos de amamentação das crianças, sobretudo para suprimento por meio do aleitamento materno”, disse, na sentença.
Pontuou ainda a disparidade no tempo de licença para mães – 120 dias a 180 dias – e pais – 5 dias. Ela afirmou também que não parece ser a melhor solução para os bebês a ampliação do prazo de licença para as mães de múltiplos.
“Apesar de os estudos caminharem no sentido de ampliação da licença-maternidade com a prorrogação de sua duração destinada às mães, tenho que, no caso de nascimento de múltiplos, em princípio, essa possível extensão não assegurará o que se busca: assegurar o direito dos menores a sua proteção integral, minimizando eventual negligência propiciada pela impossibilidade de atenção e cuidado simultâneos pela mesma pessoa” afirmou, na decisão.
Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 2932/2008, que prevê mais 60 dias de licença-maternidade para parto múltiplo, prematuro ou de criança portadora de doença ou malformação grave.
Para a juíza, a concessão da licença por mais tempo para o pai não equivaleria à criação de uma nova norma, mas de uso por analogia de normas existentes e consolidadas pela jurisprudência.
“Dessa forma, o período de licença, voltado para a criança, será assegurado para cada um dos recém-nascidos, tal como ocorre quando infortunadamente a mãe vem a falecer no parto ou decorrer da licença, ou quando um empregado homem adota uma criança sozinho”.
Leia a sentença na íntegra.
Leia o acórdão:
RECURSO CÍVEL Nº 5009679-59.2016.4.04.7200/SC
RELATOR : JOÃO BATISTA LAZZARI RECORRENTE : UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO RECORRIDO : PAULO RENATO VIEIRA CASTRO ADVOGADO : GUSTAVO COSTA FERREIRA : FRANCISCO YUKIO HAYASHIADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. NASCIMENTO DE MÚLTIPLOS. CONCESSÃO DA LICENÇA-PATERNIDADE COM A MESMA DURAÇÃO DA LICENÇA-MATERNIDADE. VALOR DO AUXÍLIO-NATALIDADE DEVIDO POR CADA FILHO. APLICAÇÃO DA EQUIDADE. FINS SOCIAIS E EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM. PRINCÍPIOS DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DA PRIORIDADE ABSOLUTA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA FAMÍLIA E DA CRIANÇA. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS.1. A Constituição Federal, em seu art. 226, garante proteção especial do Estado à família e à criança. O art. 227, prevê como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde, bem como à convivência familiar. O art. 229, por sua vez, estabelece o dever dos pais de assistir, criar e educar os filhos menores.2. O nascimento de múltiplos, no caso em julgamento de gêmeos, requer o acompanhamento de mais de uma pessoa para o atendimento das necessidades básicas dos recém-nascidos.3. A presença do pai e sua participação na rotina dos bebês são fundamentais no desenvolvimento da relação de convivência e de afeto entre pais e filhos, autorizando a concessão da licença-paternidade com a mesma duração da licença-maternidade.4. Em caso de parto múltiplo, o valor do auxílio-natalidade deve ser multiplicado pelo número de filhos. Inconstitucionalidade incidental do § 1º, do art. 196, da Lei nº 8.112/1990.5. A utilização da equidade, especialmente nos casos em que a lei não oferece decisão adequada, encontra respaldo na Lei dos Juizados Especiais.6. Parcial provimento para que a atualização monetária e juros seja em conformidade com o art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, com a redação da Lei n. 11.960/2009, incluindo a taxa referencial e os juros de forma simples, conjuntamente, desde quando devidos os valores em atraso.ACÓRDÃOACORDAM os Juízes da 3ª Turma Recursal de Santa Catarina, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO E JULGAR PREJUDICADO O AGRAVO, nos termos do voto do(a) Relator(a).Florianópolis, 27 de abril de 2017JOAO BATISTA LAZZARIJuiz Federal Relator
Bárbara Pombo – São Paulo
Notícia originalmente publicada no Jornal JOTA.