A Nova Lei de Licitações traz mudanças relevantes na disciplina relativa à participação de consórcios em licitações públicas.
Na Lei 8.666/33, o consórcio está disciplinado no seu art. 33[1]. Como regra geral, a possibilidade de participação de empresas em consórcio deveria ser expressamente prevista pela Administração Licitante no ato convocatório e, ainda, ser devidamente motivada.
A autorização para reunião em consórcio seria exceção, a ser decidida caso a caso, sempre com vistas à ampliação da competição do certame.
Apesar disso, ganhou corpo orientação do TCU no sentido de que a vedação à participação de empresas em consórcio, sobretudo em obra de elevada complexidade e grande vulto, deveria ser justificada pela Administração Público. Do contrário, estaria configurada restrição à competitividade[2].
Com a nova lei, tivemos uma guinada de 180 graus na disciplina legal dessa questão, alinhando-a à orientação que, a nós, parece ter sido prestigiada pela Corte de Contas da União.
A regra passa a ser a possibilidade de consórcio e a sua vedação passa a ser a exceção. O art. 15, da nova lei, esclarece que “salvo vedação devidamente justificada no processo licitatório, pessoa jurídica poderá participar de licitação em consórcio […]”.
Quando da edição da Lei 8.666/93, no início da década de 1990, provavelmente, o Legislador temia que a participação de consórcio pudesse servir de estímulo à cartelização entre empresas. Por isso, a vedação de participação em consórcio, como regra.
O legislador não estava completamente errado. O consórcio pode ser deturpado, sim, a fim de incentivar a prática de infrações contra a ordem econômica pelas concorrentes. É o que acontece, por exemplo, quando duas concorrentes se unem para consorciar em licitação que poderiam, facilmente, concorrer sozinha. Porém, esse é um mau uso do instituto e ele não pode ser avaliado a partir disso.
O consórcio tem como razão de ser o aumento da competitividade, pois viabiliza comunhão de esforços entre duas ou mais empresas que, sozinhas, ou não atenderiam às exigências habilitatórias da licitação ou não conseguiria executar o objeto licitado. Contudo, em conjunto, elas conseguem vencem essa(s) barreira(s).
Portanto, com a nova lei de licitações, o ônus argumentativo passa a ser outro. Para vedar a participação de consórcio, o ente licitante deverá explicitar, circunstanciadamente, o porquê da sua decisão, em especial, deverá dizer o porquê, naquele certame específico, a possibilidade de reunião em consórcio não é a mais consentânea com os princípios licitatórios, previstos no art. 11, da nova lei, notadamente, o princípio do resultado mais vantajoso.
Mas não é só.
O novo diploma legal inova em outros três pontos:
Primeiro, o art. 15, §1º, prevê a obrigação de aumentar, entre 10% a 30%, o valor exigido de habilitação econômico-financeira para os licitantes reunidos em consórcio, em comparação com o valor exigido do licitante individual. No regime da Lei 8.666/93 (art. 33, III), esse acréscimo era faculdade da Administração e poderia ser de até 30%, sem patamar mínimo. Como se nota, na nova lei, ele será, por expressa disposição legal, obrigatório e de, no mínimo, 10%, mantido o teto de 30%. Essa regra não se aplica aos consórcios compostos por ME’s e EPP’s (art. 15, §2º) – entenda os benefícios licitatórios às ME”s e EPP’s aqui.
Segundo, o art. 15, § 4º, permite a possibilidade de limitação do número de empresas consorciadas, desde que haja justificativa técnica aprovada pela autoridade competente, o que, na Lei 8.666/93, não estava completamente claro, apesar de ser admitido, excepcionalmente, pela jurisprudência do TCU, sempre que houver motivação idônea. Cito como exemplo os seguintes precedentes:
Deve ser justificada a limitação excepcional quanto ao número de empresas a integrarem consórcios, quando seja admitida a participação destes em processo licitatório. Acórdão 718/2011-Plenário | Relator: VALMIR CAMPELO. Publicado: – Informativo de Licitações e Contratos nº 55
A limitação a número máximo de empresas integrantes de consórcio deve ter motivação prévia e consistente, sob pena de afrontar os arts. 3°, § 1°, inciso I, e 33 da Lei 8.666/93 c/c os arts. 2° e 50 da Lei 9.784/99. Acórdão 745/2017-Plenário | Relator: BRUNO DANTAS. Publicado: – Informativo de Licitações e Contratos nº 320 de 04/05/2017
Terceiro, trazendo inovação bastante bem-vinda, o art. 15, § 5º, expressamente, permite a substituição do consorciado. Esse tema é, hoje, bastante intricando e controverso. Os órgãos de controle tendem a desautorizar a substituição da pessoa jurídica contratada (i.e., não aceita a alteração subjetiva do contratado), apesar de a doutrina especializada permitir, desde que atendidos a alguns requisitos.
Com a nova lei, o legislador, ao que tudo indica, alinha-se ao entendimento doutrinário dominante. Passa a ser permitida a substituição de consorciado desde que (i) autorizada pela contratante e (ii) o candidato à substituição tenha, no mínimo, a mesma qualificação técnica e econômico-financeira do substituído.
Os critérios são muitos semelhantes aos previstos no art. 27, §1º, da Lei 8.987/95, que permite a transferência da concessão à pessoa jurídica que não participou do certame. Eu arriscaria a dizer, inclusive, que a nova lei reforça a existência de uma regra geral para alteração subjetiva dos contratos administrativos: autorização da substituição, pelo contratante, e cumprimento dos requisitos habilitatórios pela empresa candidata à substituição. Não custa lembrar que, por óbvio, um requisito negativo sempre está presente, qual seja: a alteração subjetiva não ser levada a efeito em razão de objetivos fraudulentos.
Artigo por Gustavo Costa Ferreira (gustavo@cfhadvocacia.com.br). Mestre em Direito pela UFSC. Advogado especialista em Licitações e Contratações Públicas, Saneamento Básico e Direito Administrativo Sancionador.
[1] O dispositivo diz que “quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio[…]”
[2] Confira os seguintes julgado do TCU: A vedação da participação em licitações de empresas em consórcio deve ser justificada, sob pena de restrição à competitividade. Acórdão 11196/2011-Segunda Câmara | Relator: AUGUSTO SHERMAN; O impedimento de participação de consórcios de empresas em licitações públicas requer a fundamentação do ato, à luz do princípio da motivação. Acórdão 1305/2013-Plenário | Relator: VALMIR CAMPELO