Crimes contra o mercado de capitais não são incomuns. A BSM Supervisão de Mercados, órgão de fiscalização interna da própria bolsa brasileira, a B3, identifica centenas de milhares de operações com indícios de irregularidades. Todavia, em virtude de diversas deficiências do sistema brasileiro, inclusive limitações da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), poucas denúncias são oferecidas. E quando são apresentadas, a regra é ocorrer a suspensão condicional do processo, pois os crimes contra a bolsa de valores, previstos nos 27-C a 27-E da Lei 6.385/1976, têm todos pena mínima de 1 ano ou menos.

Um caso emblemático desse tipo de crime, no Brasil, é o do empresário Eike Batista.

Alegou-se que o fundador do grupo EBX teria praticado os crimes de uso indevido de informação privilegiada (art. 27-D) e manipulação do mercado (art. 27-C).

De acordo com os Procuradores da República, a manipulação do mercado teria ocorrido mediante contratação simulada de cláusula put, com divulgação inverídica de informação ao público. A chamada cláusula put (put option) consiste em dar o direito a uma parte de, em determinadas circunstâncias e condições preestabelecidas, vender um bem. Esta cláusula já tomou o noticiário quando das divulgação de informações sobre a compra da refinaria de Pasadena pela Petrobrás.

Em regra, a cláusula put é vista como uma espécie de seguro pelo investidor. No caso de Eike Batista, o empresário poderia ser obrigado a investir até 1 bilhão de dólares em sua companhia OGX (OGX Petróleo e Gás Participações S. A). Portanto, haveria um otimismo do acionista controlador em relação aos negócios da OGX e, além disso, a empresa poderia diminuir as pressões sobre seu caixa. Ocorre que, de acordo com a Procuradoria da República, a contratação da put option teria sido fraudulenta. Isso porque Eike Batista teria conhecimento de futura alteração do plano de negócios da OGX (pela constatação da inviabilidade econômica dos campos de petróleo de Tubarão Areia e Tubarão Gato), sendo essa mudança do plano de negócios uma das hipóteses que exoneraria o empresário de realizar o aporte anunciado. Em termos mais simples, o “seguro” da put option, de acordo com o MPF, não existia – e os investidores foram iludidos.

Já o uso indevido de informação privilegiada (insider trading) teria ocorrido em duas oportunidades.

Na primeira delas, de acordo com a Procuradoria da República, Eike Batista, através do fundo de sua propriedade denominado Centennial Asset Mining Fund LLC, teria vendido aproximadamente 200 milhões de reais em ações da OGX, em uma conjuntura de informações públicas favorável, isto é, quando a OGX divulgara a possibilidade comercial das operações nos campos de petróleo chamados Tubarão Gato e Tubarão Areia.

Apesar do contexto favorável, o empresário realizou a venda de suas ações. De acordo com o MPF, o motivo seria que Eike Batista deteria a informação relevante, ainda não divulgada ao público, de que uma empresa de consultoria e um grupo de trabalho instituído no âmbito da própria OGX teriam concluído que os projetos a serem realizados nesses campos eram, de fato, economicamente inviáveis. Essa informação foi divulgada ao público apenas em 1º de julho de 2013, resultando em uma queda de 25% da cotação das ações da OGX, mas o empresário já havia negociado suas ações entre o final de maio e o começo de julho de 2013 – escapando da baixa nas cotações.

Posteriormente, através do mesmo fundo, Eike Batista teria vendido mais de 100 milhões de reais em ações da OGX. Essa negociação ocorreu após a divulgação da informação relevante de que os projetos dos campos de Tubarão Gato e Tubarão Areia eram economicamente inviáveis. Todavia, de acordo com a Procuradoria da República, as cotações das ações ainda se sustentavam em virtude da divulgação da cláusula put, na qual o empresário se comprometera a aportar até 1 bilhão de dólares na companhia – indicando, como já dito, otimismo ao mercado. Porém, Eike Batista saberia que estava eximido da put option, quando da divulgação da informação de que os campos de petróleo de Tubarão Gato e Tubarão Areia eram economicamente inviáveis, o que imporia uma mudança nos planos de negócios da OGX.

A denúncia foi apreciada pelo juízo da 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro e Eike Batista foi condenado a 8 anos e 7 meses de prisão.

Manipulação do mercado e uso indevido de informação privilegiada são crimes contra o mercado de capitais.

Esses delitos estão tipificados nos arts. 27-C e 27-D da Lei 6.385/1976, e foram incluídos pela Lei 10.303/2001:

Manipulação do Mercado

Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Uso Indevido de Informação Privilegiada

Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

É no mercado de capitais onde ocorrem as negociações de valores mobiliários, principalmente ações, debêntures e cotas de fundos de investimento (o rol de valores mobiliários, entretanto, é muito mais extenso). De modo bastante simplificado, o ofertante do valor mobiliário disponibiliza-o aos interessados, que podem adquiri-lo – podendo posteriormente revender o título para outros operadores do mercado ou para o próprio ofertante.

O mercado de capitais é, assim, um instrumento para captação de recursos alternativo ao empréstimo bancário (mútuo bancário). Sua função principal é facilitar e dar alternativas às empresas de levantamento de recursos para investimento. Para o financiador, por outro lado, é um meio alternativo de alocar recursos, para buscar rendimento ao seu capital.

Como o futuro de um investimento é sempre incerto, costuma-se pensar que a atuação do investidor no mercado de capitais é semelhante a do participante de um jogo de azar. Entretanto, como ensina Benjamin Graham, “uma operação de investimento é aquela que, após análise profunda, promete a segurança do principal e um retorno adequado. As operações que não atendem a essas condições são especulativas” (O Investidor Inteligente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. P. 37).

Essa definição de Graham nos leva a concluir que é possível ao financiador realizar “investimentos” ao invés de apenas fazer “apostas”. Para tanto, isto é, para se qualificar a aposta como investimento, é necessária uma “análise profunda” – que reduza ao máximo o que Graham chama “fator especulativo”. Evidentemente, essa análise depende da disponibilização de um conjunto de dados ou informações, tanto do mercado como um todo, como do ofertante do valor mobiliário especificamente. Apenas se existir a possibilidade de acesso a esse conjunto de dados que será possível ao investidor calcular a taxa de retorno e o grau de risco em seu investimento.

Todavia, nenhuma utilidade tem a possibilidade de acesso, se os dados em si não forem confiáveis. Duas qualidades para a confiabilidade dos dados ou informações são violadas pelos crimes de manipulação do mercado e de uso indevido de informação privilegiada: a veracidade e a contemporaneidade.

No crime de manipulação do mercado, como o próprio tipo penal do art. 27-C da Lei 6.385/1976 indica, o que existe é uma fraude. Portanto, as informações à disposição dos investidores são falsas. Com isso, o investidor é induzido ao erro em sua análise, ele é manipulado – conforme indica o nome do delito. Já no caso do insider trading, do art. 27-D da Lei 6.385/1976, a questão não é a veracidade do dado, mas a sua contemporaneidade. Aqui ao investidor não é permitido realizar a análise em tempo hábil, ficando ele à mercê daqueles que detêm a informação privilegiada.

Independentemente, em ambos os casos as informações disponíveis ao investidor não são confiáveis – ou porque falsas ou porque desatualizadas. Ou seja, é suprimida a possibilidade de acesso pelo investidor aos dados que seriam necessários para ele realizar o cálculo do grau de risco envolvido e da taxa de retorno possível da operação.

Evidentemente, de sua simples leitura, percebe-se que ambos os tipos penais possuem outras elementares. Porém, o que eles protegem fundamentalmente é a confiabilidade dos dados ou informações que circulam ao mercado e a necessária possibilidade de acesso a esses dados confiáveis pelos investidores, garantindo que eventuais prejuízos sofridos pelos agentes do mercado não decorram de uma situação de desigualdade entre os envolvidos nas operações, por conta de uma diferença de conhecimento disponível para cada parte, mas sim de uma decisão consciente de tomada de risco de cada qual.

O que se quer impedir é que o investidor tenha resultados adversos que não possam ser imputados exclusivamente a suas escolhas individuais. Afinal de contas, no mercado de capitais, deve valer a máxima do imperador romano Marco Aurélio: “A felicidade dos sábios deriva de seus próprios atos livres”. Em sentido contrário, a tristeza dos resultados adversos também deve derivar apenas de escolhas livres dos investidores.

Crimes contra o mercado de capitais estão situados dentro do Direito Penal Econômico. A atuação, nesses casos, exige conhecimentos especializados do advogado, capacitado para compreender todas as facetas do caso e, mesmo em situações mais simples, negociar as melhores condições para uma suspensão condicional do processo ao envolvido nesse tipo de acusação.

Wiki CFH Advocacia. Autor: Francisco Yukio Hayashi.