Inabilitação em Licitação.
E agora?
GUSTAVO COSTA FERREIRA
Você levou semanas para preparar o envelope de habilitação em uma licitação, reunindo a vasta documentação necessária. No dia marcado para abertura desse envelope, sua empresa é inabilitada…
Fique tranquilo. Esse não é o fim do mundo.
A lei 8.666/92 e também a Lei 10.520 preveem a possibilidade de recurso contra essa decisão, que terá efeito suspensivo e impedirá o prosseguimento do procedimento licitatório até que a Administração se decida acerca da (i)legalidade da sua inabilitação (art. 109, I, “a”, §2º, da Lei 8.666/92). A propósito, o recurso pode ser manejado para desafiar, inclusive, decisão que habilita, ilegalmente, outro concorrente no certame.
Determinadas situações nos autorizam palpitar a respeito da legalidade ou ilegalidade da inabilitação. Para começo de conversa, você deve analisar se o motivo determinante da sua inabilitação está elencado como exigência de habilitação nos artigos 27 a 32 da Lei 8.666/93. Motivo determinante é o argumento utilizado pela administração para fundamentar sua inabilitação (p. ex.: descumprimento do item X.X do Edital). Se ele consistir em descumprimento de item previsto no edital, é muitíssimo provável que o motivo determinante da inabilitação seja lícito. Nessa hipótese, a discussão da sua insurgência recursal deverá, então, gravitar em torno do atendimento ou não da exigência editalícia pela documentação apresentada. Por outro lado, se tal motivo determinante não estiver previsto nos artigos citados, há boa margem para defesa da sua ilegalidade.
O recurso será julgado pela Autoridade Superior do órgão licitante, a partir de parecer elaborado pela Comissão de Licitação. Não é de todo impossível que a própria administração dê provimento ao recurso. Entretanto, esse cenário é pouco provável quando o Edital traz expressamente o motivo determinante da inabilitação. Nesse caso, a administração tende, e até mesmo deve, observar o edital que ela própria fez (art. 41, da Lei 8.666/93).
Seja como for, você ainda poderá socorrer-se ao Judiciário se entender que sua inabilitação, apesar de ilegal, não foi afastada pela Entidade Licitante.
Para o bem do interesse público, em decisões recentes, o Judiciário tem relativizado exigências editalícias que se afiguram como formalidades inócuas no procedimento licitatório e que prejudicam a ampla concorrência do certame. A formalidade é, geralmente, considerada inócua quando não relacionada com a demonstração de qualificação técnica, jurídica, fiscal e econômico-financeira.
A título de exemplo, veja seguinte decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina nesse sentido:
MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. PREGÃO PRESENCIAL. AQUISIÇÃO DE DISTRIBUIDORES DE ADUBO ORGÂNICO. LICITANTES INABILITADAS INICIALMENTE. POSTERIOR HABILITAÇÃO QUANDO DO JULGAMENTO DE SEUS RECURSOS ADMINISTRATIVOS. IMPETRANTE QUE PRETENDE A INABILITAÇÃO DA VENCEDORA DO CERTAME. SUPOSTA FALSIDADE DE SEU ATESTADO TÉCNICO. TESE AFASTADA À MÍNGUA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA A RESPEITO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À PERMANÊNCIA NO CERTAME. LEGALIDADE DO ATO COMBATIDO. AUTORIDADE IMPETRADA QUE HABILITOU AS DUAS LICITANTES AO DISPENSAR O FORMALISMO EXCESSIVO EM BENEFÍCIO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE E DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO. MEDIDA PLENAMENTE CABÍVEL NA HIPÓTESE. PRECEDENTES. ESCOLHA DA PROPOSTA MAIS VANTAJOSA PARA A ADMINISTRAÇÃO. SEGURANÇA DENEGADA. “4. A Administração Pública não pode descumprir as normas legais, tampouco as condições editalícias, tendo em vista o princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/93, art. 41). Contudo, rigorismos formais extremos e exigências inúteis não podem conduzir a interpretação contrária à finalidade da lei, notadamente em se tratando de concorrência pública, do tipo menor preço, na qual a existência de vários interessados é benéfica, na exata medida em que facilita a escolha da proposta efetivamente mais vantajosa (Lei 8.666/93, art. 3º) (REsp. n. 797.170/MT, relª Minª Denise Arruda, j. 17-10-2006). (TJSC, Mandado de Segurança n. 2013.067801-6, da Capital, rel. Des. Stanley da Silva Braga, j. 11-06-2014b – grifou-se).
O Superior Tribunal de Justiça há muito entende que as regras do edital de procedimento licitatório devem ser interpretadas de modo que, sem causar qualquer prejuízo à administração e aos interessados no certame, possibilitem a participação do maior número possível de concorrentes, a fim de que seja possibilitado se encontrar, entre várias propostas, a mais vantajosa (MS n. 5.606/DF, Rel. Min. José Delgado, DJU 10.08.1998).
Ainda, a inabilitação pode se desafiada mediante representação ao Tribunal de Contas competente para fiscalizar a Administração Licitante (art. 113, §2º, da Lei 8.666/93 e art. 74, §2º, da Constituição da República).
Não há receitas prontas. A melhor estratégia ao licitante inabilitado deve ser avaliada caso a caso. Importante é que você esteja ciente dos seus direitos, bem como das alternativas que detém a sua disposição quando estiver diante de uma inabilitação em licitação. O advogado é peça fundamental em todas essas alternativas.
Gustavo Costa Ferreira é advogado especialista em Direito Administrativo, sócio-fundador do escritório Costa Ferreira & Hayashi – Advocacia e Consultoria.