A delação premiada é uma técnica de investigação, que se tornou comum no Brasil em casos de colarinho branco, após a Operação Lava Jato.

A colaboração premiada é um negócio jurídico processual onde o Estado oferta benefícios àquele que confessar e prestar informações úteis ao esclarecimento do fato delituoso (art. 3º-A, Lei 12.850/2013).

Breve histórico

A primeira lei a prever a colaboração no Brasil foi a Lei de Crimes Hediondos. Previa-se a redução de um a dois terços da pena do participante ou associado de quadrilha voltada à prática de crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo, que denunciasse à autoridade o grupo, permitindo seu desmantelamento (art. 8º, parágrafo único, Lei 8.072/1990). Já no crime de extorsão mediante sequestro, o benefício dependia que fosse facilitada a libertação da vítima (art. 159, § 5º, Código Penal). Posteriormente, passou-se a prever a delação premiada também para crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e contra a ordem tributária, bem como para crimes praticados por organização criminosa.

Porém, o instituto somente foi reforçado e ganhou aplicabilidade prática com a Lei 9.613/1998, de combate à lavagem de dinheiro. Essa lei passou a prever prêmios mais estimulantes ao colaborador como a possibilidade de condenação a regime menos gravoso (aberto ou semiaberto), substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e até mesmo perdão judicial (art. 1º, § 5º). No mesmo sentido caminhou a Lei 9.807/1999, que trata da proteção de testemunhas (arts. 13 e 14).

Posteriormente, ainda foram editadas as Leis 11.343/2006, prevendo a delação premiada para crimes de tráfico de drogas (art. 41), e a Lei 12.529/2011, que denominou o instituto de “acordo de leniência”, prevendo sua aplicabilidade para infrações contra a ordem econômica (arts. 86 e 87).

À exceção dessa última, todas essas legislações pecavam por não regulamentar essa técnica de investigação, o que sujeitava alguns dos colaboradores ao risco de caírem em um limbo jurídico e ficarem sujeitos ao decisionismo judicial. A Lei 12.529/2011 regulamentou mais especificamente o “acordo de leniência”, prevendo, além do evidente sigilo (art. 86, § 9º), que o colaborador identifique os demais envolvidos e forneça informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação (art. 86, I e II). Além disso, é preciso que, por ocasião da propositura do acordo, não estejam disponíveis com antecedência provas suficientes para assegurar a condenação, o colaborador confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações (art. 86, § 1º).

Todavia, um procedimento completo foi previsto apenas na Lei 12.850/2013, que prevê medidas de combate às organizações criminosas. Foi com base nessas disposições que o instituto se popularizou. Entretanto, em 2019, foi sancionada e em 2020 entrou em vigor a Lei 13.964, alterando substancialmente o tratamento da delação premiada.

A Nova Colaboração Premiada (após a Lei 13.964/2019)

Os benefícios ao colaborador ainda variam do perdão judicial, da redução da pena em até 2/3, da substituição por penas restritivas de direitos (art. 4º) ou da progressão antecipada de regime (art. 4º, § 5º). Entretanto, a lei restringiu a concessão de benefícios extralegais e proibiu a disposição de regimes prisionais diferenciados e a alteração dos critérios legais de progressão da pena (art. 4º, § 7º, II). Isso pode limitar a utilidade da delação premiada para os investigados interessados.

Entretanto, ainda é possível o não oferecimento de denúncia, caso a colaboração se refira infração de cuja existência não se tinha prévio conhecimento (art. 4º, § 4º e § 4º-A), bem como o perdão judicial (art. 4º), mesmo que o benefício não tenha sido previsto na proposta original (art. 4º, § 2º), caso o colaborador não seja líder da organização criminosa e seja o primeiro a colaborar. Inclusive, a lei passou a impor que o juiz analise a possibilidade de concessão do perdão judicial (art. 4º, § 7º-A).

Exige-se que a colaboração seja voluntária e efetiva (art. 4º) e que o investigado cesse o envolvimento em conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração (art. 4º, § 18). Esta é, aliás, uma das características marcantes da colaboração premiada, em nada alterada pela nova lei: o benefício depende da efetividade da colaboração, isto é, de resultado. O resultado pode ser a identificação de cúmplices e dos crimes por eles praticados, a revelação da estrutura e funcionamento da organização criminosa, a prevenção de novos crimes, a recuperação dos lucros obtidos com a prática criminosa ou a localização de eventual vítima com sua integridade física assegurada (art. 4º, I a V).

O juiz continua proibido de participar das negociações para formalização do acordo de delação premiada (art. 4º, § 6º). Apenas o colaborador, seu advogado, o delegado de polícia e o representante do Ministério Público participam.

A dinâmica de negociação foi melhor regulamentada.

O procedimento foi melhor regulamentado, incorporando algumas das disposições da Orientação Conjunta nº 1/2018 da 2ª e 5ª Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

Recebida a proposta de formalização do acordo pela autoridade competente, considera-se iniciadas as negociações, impondo-se a confidencialidade (art. 3º-B). A divulgação das tratativas, que deverão ser gravadas e disponibilizadas ao interessado (art. 4º, § 13), implica em violação de sigilo e quebra de confiança e da boa-fé. Caso assim entenda, a autoridade pode rejeitar sumariamente a proposta, devendo justificar e cientificar o interessado (art. 3º-B, § 1º). Se desejar prosseguir com as negociações, deve ser lavrado termo de confidencialidade (art. 3º-B, § 2º). A partir desse momento, o indeferimento exigirá justa causa e, se ocorrer por iniciativa da autoridade, as informações não poderão ser utilizadas (art. 3º-B, § 6º). Caso o investigado se retrate, as provas apresentadas não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor (art. 4º, § 10).

Em todos os atos, desde a apresentação da proposta de delação premiada, o investigado deve estar acompanhado de advogado (art. 3º-B, § 5º), que deverá apresentar procuração com poderes especiais (art. 3º-C). Nenhuma tratativa pode ser realizada sem a presença do advogado (art. 3º-C, § 1º). Por isso, o defensor deve estar livre de conflitos de interesses, podendo a autoridade adotar medidas para assegurar uma defesa efetiva (art. 3º-C, § 2º).

Caso não haja definição entre as partes, as investigações e as medidas invasivas podem continuar (art. 3º-B, § 3º). Inclusive, se necessário, as partes podem concordar que haja uma instrução do procedimento (art. 3º-B, § 4º).

A colaboração, segundo a nova lei, exige que o investigado relate “todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados” (art. 3º-C, § 3º). Isso significa que é possível a restrição da delação a um objeto determinado. Nesse caso, a rescisão ocorrerá apenas se a omissão disser respeito aos fatos de interesse da investigação em curso (art. 4º, § 17). Incumbe à defesa instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração (art. 3º-C, § 4º). Isso exige especial agilidade, cuidado e profissionalismo do advogado, que deve adotar rigorosos padrões éticos.

A negociação não consiste em adesão a condições previamente estabelecidas por uma das partes. Os benefícios devem ser acordados entre o investigado, sua defesa e a autoridade competente, considerando as peculiaridades do caso – o que exige a relação de confiança e boa-fé entre as partes. Definidos os termos, devem ser especificados os eventuais resultados pretendidos, as condições da proposta da autoridade, a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor, as assinaturas de todos os participantes, bem como a especificação de medidas de proteção ao colaborador e sua família (art. 6º).

O termo do acordo é então encaminhado, com cópia da investigação e das declarações do colaborador, ao juiz, para homologação (art. 4º, § 7º), que receberá diretamente as informações pormenorizadas (art. 7º, § 1º), após a distribuição com segredo de justiça (art. 7º). O juiz é obrigado a fazer uma audiência para ouvir sigilosamente o interessado e para examinar a regularidade e legalidade, a adequação dos benefícios e dos resultados, bem como a voluntariedade da manifestação de vontade, tomando cuidado com coações em casos que existam medidas cautelares decretadas. São nulas as cláusulas que prevejam renúncia do direito de impugnar a decisão homologatória (art. 4º, § 7º-B). Caso a proposta não atenda os requisitos legais, ela pode ser rejeitada pelo juiz ou devolvida para adequações (art. 4º, § 8º).

Após a homologação, iniciam-se propriamente as medidas de colaboração (art. 4º, § 9º), podendo o prazo de oferecimento da denúncia ser suspenso por 6 meses, com suspensão também do prazo prescricional (art. 4º, § 3º).

Parte fundamental do acordo é que o colaborador renuncia ao seu direito ao silêncio e fica compromissado a dizer a verdade (art. 4º, § 14). Ainda que tenha sido perdoado ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido (art. 4º, § 12), devendo sempre estar presente seu advogado (art. 4º, 15º).

A eficiência do acordo é julgada pelo juiz, na sentença (art. 4º, § 11), que deve analisar fundamentadamente a denúncia (art. 4º, § 7º-A) e não pode condenar apenas com base nas declarações do colaborador, devendo possuir meios de prova diversos (art. 4º, § 16). Como dito, ele deve examinar a hipótese de concessão do perdão judicial (art. 4º, § 7º-A). A vedação à utilização exclusivamente da palavra do colaborador foi estendida, ainda, para medidas cautelares e para a própria instauração do processo.

A lei ainda previu garantias para os delatados. Durante o processo, o colaborador deve sempre se manifestar antes dos demais réus (art. 4º, § 10-A). Uma vez recebida a denúncia, o acordo deve ser tornado público, sendo vedada a divulgação antes desse momento, ainda que por ordem judicial (art. 7º, § 3). Além disso, é assegurado o acesso aos elementos de prova que sejam de interesse da defesa, resguardadas as diligências em andamento (art. 7º, § 2º).

Após a Operação Lava Jato, em casos complexos, tornou-se comum a pergunta: Quem será o primeiro a fazer a delação premiada? Diante das alterações da Lei 13.964/2019, ser o primeiro colaborador se tornou essencial, para resguardar a obtenção de melhores benefícios.

O núcleo de Direito Penal Econômico do escritório CFH Advocacia possui equipe com experiência para condução de negociações de acordo de colaboração premiada, priorizando sempre os interesses do cliente.

Wiki CFH Advocacia. Autor: Francisco Yukio Hayashi.